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A Criatividade é uma Maldição?

 O que difere as pessoas que não ouvem nada no silêncio da noite, daqueles que começam emitindo fracos sons em seus instrumentos até comporem uma inteira sinfonia em suas mentes? E a diferença entre a pessoa que olha para uma tela em branco e enxerga uma colorida e delicada pintura daquelas que veem nada além de uma tela em branco?

Por muito tempo a criatividade foi um enigma, além do alcance da ciência. Mas hoje sabemos que é preciso criatividade para resolver problemas. A criatividade pode ser encontrada na arquitetura, engenharia e até na natureza. Com o passar dos anos e o avanço de tecnologias como a de neuroimagem, os estudos científicos exploram cada vez mais o cérebro. Descobriu-se que não se usa apenas a parte direita do cérebro para criatividade. São mais de 40 áreas diferentes espalhadas no cérebro que estão envolvidas com a criatividade. Alguns estudos indicam que a criatividade pode ser treinada, aprimorada ou ensinada. Mesmo que uma pessoa tenha certa "vantagem biológica" para ser criativo, qualquer um pode ser criativo. Será?

Uma bênção ou...?

Segundo o renomado psicólogo clínico e professor canadense Dr. Jordan Peterson, em certa palestra ele disse: “É errado, tão errado quanto dizer que todo mudo é extrovertido. A princípio você precisaria ser muito inteligente para ser criativo porque do contrário você só vai chegar até onde outros já chegaram. [...] Ser rápido e estar à frente das coisas faz a diferença e daí você tem que ter essas capacidades de pensamento divergentes e isso é parte de suas características. Pessoas criativas são realmente diferentes de pessoas não criativas. Por exemplo, elas são altamente motivadas a fazer coisas criativas e vivenciar novas experiências, perseguir experiências estéticas e ir ao cinema, ler ficção, ir a museus, curtir poesia, curtir música que não seja convencional. Essas não são diferenças triviais e assim é uma distorção real fazer a proposição de que todos são criativos.”

Uma maldição?

Agora entramos na parte principal desta postagem: A criatividade é uma maldição? Talvez sim, para muitos. Quando se é criativo, às vezes você sente como se possuísse uma limitação para fazer as coisas na sua vida, como se você fosse um pino quadrado tentando se encaixar num buraco redondo, chega momentos em que você diz: “Queria ser normal como todo mundo.” O fato é que os criativos não são normais, eles literalmente veem o mundo por lentes diferentes, resultando em diferenças nos seus trabalhos e suas vidas. Para explicar vamos dividir em dois fatores: externo e interno.

O fator interno

Neurologicamente, existem diferenças no “cérebro criativo”. Estudos realizados pela Dr. Rebecca Chamberlain, da Universidade Católica de Leuven, na Bélgica, descobriu que o artista tem mais matéria neural nas partes de seu cérebro relacionadas com imagens visuais e controle motor fino. Isso não significa que os talentos dos artistas sejam inatos, o treinamento e a educação também desempenham um grande papel na habilidade.

Complementando isso, outro estudo neurocientífico pela estadunidense, a Dra. Nancy Andreasen confirma que ‘os tipos criativos têm mais probabilidade de serem produtivos e mais originais se cercados por outros criativos, caso contrário eles vão sentir uma necessidade de se isolar das pessoas por curtos períodos de tempo. Mesmo que artistas experimentem taxas mais altas de transtornos de humor e doenças mentais do que a população em geral, os altos e baixos tendem a ser breves e equilibrados por longos períodos de normalidade’.

O fator externo

Por fim, esse fator pode ser resumido usando as seguintes palavras do Dr. Jordan Peterson, ditas por ele na mesma palestra citada anteriormente: “Não pense que criatividade é uma coisa boa, é uma estratégia de alto risco e retorno elevado. É difícil monetizar a criatividade.” Sim, é inacreditavelmente complicado monetizar a criatividade, lembrando que isso vale para qualquer um que crie ou invente algo seja artístico ou não. Mesmo que seu público seja apenas seus amigos e família, não se torna algo rentável a longo prazo. Seria necessário ter todo um sistema de arquitetura e suporte que inclui investimento e marketing para divulgação.
Felizmente, por exemplo, no caso artístico, existem cursos criados por ilustradores profissionais para os iniciantes ou que já estão no mercado, sobre como eles podem dar conta desse fator. Só para citar alguns: J. Lima Estúdio e Thiago Spyked.

O que uma pessoa criativa não pode fazer

Existe uma coisa que um criativo não pode fazer: desistir. Não podemos mudar quem somos. Citando pela última vez o Dr. Jordan Peterson: “A pior coisa para as pessoas criativas é não ser criativo porque se não elas simplesmente morrem. Assim como se você for um extrovertido, você não pode ser afastado das pessoas porque senão você simplesmente murcha.” Você poderá passar anos em batalhas internas, desejando ser outra pessoa e desprezando sua própria criatividade e sensibilidade, e ouvindo que se continuar assim você não será ninguém. Aceitar quem você é é uma maneira muito mais fácil de viver e pouco a pouco com dedicação e esforço você conseguirá literalmente viver do seu trabalho.

Uma tirinha interessante para meditar. Autora: Rafaella.

Fontes:

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